DIÁLOGO INTERAMERICANO E FFAA
Diálogo Interamericano e as
Forças Armadas dos Países Periféricos
Carlos I.S. Azambuja
em 28 de junho de 2005
Resumo: Um breve resumo do que se
convencionou denominar Diálogo Interamericano.
© 2005 MidiaSemMascara.org
“Se tudo isso falhar, abolir as
Forças Armadas”.(Samuel Huntington)
O Mídia
Sem Máscara recentemente publicou matéria relatando os contatos entre o Foro de
São Paulo e o Diálogo Interamericano. Mas, especificamente, o que é o Diálogo
Interamericano?
Desde
algum tempo, referências vêm sendo feitas por publicações diversas, nacionais e
internacionais, ao Diálogo Interamericano. Todavia, somente poucas pessoas têm
conhecimento pleno do que venha a ser isso.
Sem a
pretensão de querer esgotar o assunto, é interessante conhecer um breve resumo
do que se convencionou denominar Diálogo Interamericano.
Aproveitando
o aparente caos político e institucional na América Latina em seguida à guerra
das Malvinas e à crise da dívida externa, ambas em 1982, interesses internacionais
moveram-se rapidamente buscando manter seu domínio político e econômico na
região. Desse esforço surgiu o que se convencionou chamar Diálogo
Interamericano.
Em junho,
julho e agosto de 1982 foram organizados três seminários para debater as repercussões
da guerra das Malvinas nas relações interamericanas, sob os auspícios do Centro
Woodrow Wilson, uma espécie de banco de cérebros, com sede em Washington. O
Centro Woodrow Wilson foi criado em 1968 pelo Congresso dos EUA, como “um
centro privado de investigação e documentação política”. O Centro é dirigido
por uma junta composta por 8 funcionários oficiais, dentre os quais o
Secretário de Estado, e outras 11 personalidades do setor privado, porém
nomeadas pelo governo. Entre essas personalidades figuram luminares das
finanças, como John Reed, presidente do Citibank, Max Kampelman, presidente
honorário da Liga Antidifamação B’nai B’rith, e Dwayne O. Andreas, presidente
do gigantesco cartel graneleiro Archer Daniels Midland.
No
primeiro dos três seminários realizados após o término da guerra das Malvinas,
Heraldo Muñoz, então professor da Universidade do Chile, argumentou que o
intento de recuperar a soberania sobre as ilhas Malvinas “só foi possível
porque não havia um governo democrático na Argentina”. Muñoz, posteriormente,
foi nomeado embaixador do Chile perante a OEA (Organização dos Estados
Americanos).
No
segundo seminário, Viron Varky, ex-funcionário do Departamento de Estado dos
EUA, e Nicolas Ardito Barleta, arquiteto do sistema financeiro do Panamá e
então vice-presidente do Banco Mundial, chegaram à conclusão que a crise
oferecia a oportunidade de se criar “um sistema de governo hemisférico mais
forte”.
No
terceiro seminário, o ex-embaixador norte-americano William Luers opinou ser
necessária uma maior comunicação entre os EUA e a América Latina.
Desses
seminários surgiu a idéia do Diálogo Intermaricano e, de outubro de 1982 a
março de 1983, o Centro Woodrow Wilson patrocinou uma série de reuniões já
dentro dessa idéia, nas quais 48 delegados da América Latina e dos EUA, a
título pessoal, debateram um longo temário. Todavia, é certo que o apoio
oficial do governo norte-americano a esse esforço foi mais além dos auspícios
do Centro Woodrow Wilson, considerando-se que a reunião de fundação do Diálogo,
em 15 de outubro de 1982, contou com a presença do então Secretário de Estado
George Shultz e do Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos,
Thomas Enders.
A
fundação do Diálogo Interamericano reuniu a nata do establishment norte-americano.
Membros da Comissão Trilateral eram maioria no grupo que fundou o Diálogo (a
Comissão Trilateral é uma entidade fundada em 1973 por David Rockefeller,
Zbigniew Brzezinski e cerca de 200 personalidades do setor econômico,
principalmente banqueiros, dos EUA, Europa Ocidental e Japão, intitulada “uma
iniciativa privada da América do Norte, Europa e Japão para assuntos de
interesse comum”). A partir de 1973 e até a queda do Muro de Berlim, em
novembro de 1989, e o desaparecimento da União Soviética, em dezembro de 1991,
viu-se um Primeiro Mundo unido em torno da Comissão Trilateral, um Segundo
Mundo agrupado em torno da falida ideologia socialista e um Terceiro Mundo
subdesenvolvido, praticamente à mercê dos ditames dos outros dois mundos no que
diz respeito à proliferação da energia nuclear, terrorismo, direitos humanos,
desmatamento e venda de armas convencionais.
Abraham
Lowental, do Centro Woodrow Wilson, é uma espécie de diretor-executivo do
Diálogo Interamericano. Desde sua fundação, o Diálogo passou a propor a criação
de estruturas supranacionais para monitorar as atividades militares no
hemisfério. Em um de seus primeiros documentos, “As Américas na Encruzilhada”,
foi apresentada a proposta de encarregar a OEA da vigilância de ditas
atividades militares, e que os direitos humanos servissem de pretexto para a
intervenção da Organização dos Estados Americanos, adiantando-se ao que viria a
se transformar em uma campanha que vem sendo desenvolvida nos bastidores da
ONU. O documento “As Américas na Encruzilhada” afirmava que a “a ação
multilateral cuidadosamente considerada, para proteger direitos humanos
fundamentais, não é uma intervenção e sim uma obrigação internacional”. O
documento instava também a um diálogo dos governos de El Salvador, Nicarágua e
Guatemala com os respectivos “movimentos de oposição” (expressão usada para
denominar a guerrilha e a luta armada nesses países) para encontrar uma forma
de resolver as “controvérsias” sobre uma base que reconhecesse “os interesses
vitais de cada parte”, ou seja, dos governos e da guerrilha, definindo a luta
armada como “uma controvérsia”.
Em abril
de 1986 o Diálogo emitiu um novo documento, descrevendo os três temas
principais possíveis de controlar os acontecimentos políticos no hemisfério:
- que se
formalizasse o “direito” da União Soviética - já em estado terminal - de
expressar-se nos assuntos do hemisfério
- que as
drogas estupefacientes fossem legalizadas
- que se
construísse uma “rede democrática” com poderes suficientes para opor-se “aos
comunistas e aos militares”, colocados, assim, em pé de igualdade.
Para
lograr este último objetivo, o documento do Diálogo considerou ser urgente
reduzir a participação militar em “assuntos civis”.
Em fins
desse ano de 1986, o Diálogo pôs em marcha um projeto que culminou com a
publicação, em 1990, do chamado “Manual Bush”, uma obra anti-militar editada em
espanhol com o título “Los Militares y la Democracia: El Futuro de las
Relaciones Cívico-Militares en América Latina”, que sugeria o desencadeamento
de uma guerra econômica contra os militares latino-americanos, assinalando que
“o nível de recursos a ser destinado aos militares” deveria ser questionado e
mudado, como uma das formas mais efetivas de “conter a influência das Forças
Armadas” dos países ao sul do Rio Bravo. O flanco econômico transformar-se-ia,
assim, rapidamente, no ponto forte da guerra contra os militares da América
Latina.
Em 17 de
junho de 1990, o “Jornal de Brasília” publicou matéria segundo a qual, em
Washington, a Comissão Trilateral defendera a substituição das Forças Armadas
dos países subdesenvolvidos, notadamente da América Latina, por forças
regionais de defesa, uma Força Interamericana de Defesa. Na mesma reunião, o
expert espanhol Julio Feo condenou o excessivo crescimento populacional nos
países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, pois “o excesso populacional
agride a natureza e provoca o aquecimento da Terra”. Foram também recomendados
pactos mundiais para forçar as nações atrasadas ao cumprimento de rigorosas
medidas protecionistas do meio ambiente, em troca da promessa de redução de
suas dívidas externas. Ao propor a criação de forças regionais de defesa, foi
assinalado que a Guerra Fria acabara e que não havia mais riscos de comunismo
na América Latina. Sobre a eliminação das Forças Armadas nacionais, a conclusão
da Trilateral é a de que em muitos países da América Latina elas tendem a “ser
promotoras institucionais vigorosas de comportamentos nacionalistas”.
Por fim,
a reunião da Comissão Trilateral apontou outra vantagem para a substituição das
Forças Armadas tradicionais por uma Força Regional de Defesa: os militares da
América Latina teriam uma ocupação “mais útil, reduzindo-se sua propensão
histórica ao envolvimento nos assuntos políticos de seus países”.
Em dezembro
de 1990, durante uma visita ao Cone Sul, o então presidente George Bush batizou
esse projeto global da era pós-Guerra Fria (o Muro de Berlim já havia caído, em
9 de novembro do ano anterior) com o pomposo nome de “Nova Ordem Mundial”,
projeto que deveria ser imposto através da democracia. Aduziu, todavia, que
esse “novo amanhecer” não surgiria sem uma quota de sofrimento: “A mudança não
será fácil. As economias que agora dependem da proteção e da regulamentação do
Estado deverão abrir-se à competitividade. Por um tempo a transição será penosa
(...). Tais mudanças ajudarão a eliminar as falsas distinções entre o Primeiro
Mundo e o Terceiro Mundo, que por demasiado tempo já limitaram as relações
políticas e econômicas nas Américas”.
Recorde-se
que nesse mesmo mês, em 4 de dezembro, um dia após a revolta militar na
Argentina comandada pelo coronel Mohamed Ali Seineldin, o embaixador da
Argentina no Brasil, José Manoel de La Sota, propôs a formação de “uma aliança
no Cone Sul em defesa da democracia”, a qual utilizaria sanções econômicas e,
inclusive, intervenções armadas contra qualquer país-membro que não mantenha
“um sistema democrático”. Essa proposta foi formulada em um almoço onde se
encontravam o então presidente Collor e 21 embaixadores latino-americanos,
durante uma visita do presidente Bush ao Brasil.
O
“Financial Times”, de Londres, de 11 de janeiro de 1991, referindo-se a esse
fato expressou que o Ministro da Fazenda argentino Domingo Cavallo, “está
tratando de interessar seus vizinhos em um pacto de segurança regional que
manterá os generais fora da política e ocupados com deveres não ameaçadores,
como proteger o meio ambiente e erradicar o narcotráfico”.
Prosseguindo,
em 15 de abril de 1991, Luigi Einaudi, então homem-chave do Departamento de
Estado no projeto antimilitar denominado “Manual Bush”, e na época também
embaixador dos EUA junto à OEA, disse, em um seminário sobre “O Futuro da OEA e
a Segurança Hemisférica”, realizado no Centro Woodrow Wilson, que as atuais
estruturas da OEA e da Junta Interamericana de Defesa (JID) são inadequadas
para garantir a segurança hemisférica. Expressou sua “grande frustração pela
incapacidade de reunir a OEA e a JID - a autoridade política e a autoridade
militar institucional -. Está claro que é hora de que traduzamos a
solidariedade democrática que temos logrado no hemisfério em uma definição e
papel para os militares”.
Posteriormente,
ainda em abril de 1991, um dos membros fundadores do Diálogo Interamericano, o
ex-Secretártio de Defesa dos EUA, Robert McNamara, em discurso durante a
reunião anual do Banco Mundial, entidade da qual foi presidente, exigiu que as
instituições financeiras internacionais condicionassem suas ajudas a drásticas
reduções dos orçamentos militares das nações que recebessem ditos benefícios.
Essas reduções, segundo McNamara, acelerariam o processo de substituição das
instituições militares nacionais por forças supranacionais da ONU. A doutrina
de segurança da Nova Ordem Mundial deveria ser a “ação coletiva” de
conformidade com a intervenção da ONU no Iraque. McNamara instou que a OEA
também se transformasse: “Um acordo do Conselho de Segurança da ONU de que os
conflitos regionais que coloquem em perigo a integridade territorial sejam
enfrentados com a aplicação de sanções econômicas e, se necessário, ações
militares impostas por decisões coletivas e utilizando forças multinacionais
(...). Um mundo assim necessitaria de um líder e não vejo alternativa a que o
papel de liderança seja cumprido pelos EUA (...). Organizações como a OEA e a
Organização de Unidade Africana (OUA) devem funcionar como braços regionais do
Conselho de Segurança”.
Em fins
de novembro de 1991, Guillermo Kenning Voss, importante empresário boliviano,
na época presidente da Corte Eleitoral de Santa Cruz de la Sierra, definiu que
a Bolívia já não precisava de Forças Armadas. Logo em seguida, em 1 de
dezembro, o jornal boliviano “Última Hora”, analisando essa declaração,
transcreveu trechos do “Manual Bush”.
Quando
ficou claro que os militares e civis bolivianos levavam a sério a existência
desse Manual, a embaixada dos EUA em La Paz difundiu, em 7 de dezembro, um
comunicado à imprensa esclarecendo que o chamado “Manual Bush” é o livro “Os
Militares e a Democracia”, mas que ele, todavia, “não tem qualquer relação com
o governo norte-americano”, o que não é verdade, pois o prefácio do livro
assinala que o governo dos EUA custeou o projeto e que o Exército, o
Departamento de Defesa e o Departamento de Estado deram assessoria e apoio
logístico para realizá-lo.
Em maio
de 1992, os uruguaios Juan Rial e Carina Perelli, membros de uma sociedade de
análise política uruguaia, denominada “PEITHO”, considerada o braço
latino-americano do Diálogo, entrevistados no programa de rádio “En
Perspectiva”, entrevista posteriormente publicada na revista “Círculo Militar”,
do Uruguai, argumentaram que as mudanças nas Forças Armadas são necessárias
disseram que as nações necessitam de Forças Armadas, mas elas devem ser
“reestruturadas” segundo as normas fixadas pela “Nova Ordem Mundial”: cortes
orçamentários, redução de efetivos, abandono da missão histórica de defender o
Estado Nacional, participação em forças multinacionais, etc. “As Forças Armadas
terão que aceitar que as coisas não podem continuar como até agora que certas
mudanças terão que ser feitas, porque há uma mudança muito forte em nível
mundial que indica que as grandes organizações de tipo estatal estão em crise
(...). As Forças Armadas, como uma instituição estatal, sofrem o mesmo destino
que todos os demais organismos do Estado: perdem poder, perdem dinheiro e
perdem lugar”. Perguntados sobre qual o papel das Forças Armadas
latino-americanas, hoje, Juan Rial e Carina Perelli responderam:
“Fundamentalmente, sobreviver”.
Posteriormente,
em um simpósio de três dias realizado no Centro Woodrow Wilson, em Washington,
no período de 19 a 21 de outubro de 1992, sob o título “Ensinamentos da
Experiência Venezuelana”, dedicado a analisar as conseqüências, tanto na
Venezuela como em toda a região, do levante militar ocorrido naquele país em 4
de fevereiro de 1992 contra o então presidente Carlos Andrés Perez, os
participantes foram mais francos do que de costume e apontaram os militares
como um dos grandes fatores que mantêm viva na América Latina “a cultura do
nacionalismo econômico” e, com isso, as possibilidades de rebelião.
Registre-se
que, nesse seminário, o analista militar brasileiro Alexandre Barros - foi
assessor do comando da Escola Superior de Guerra em 1973 e 1974 e atualmente
prepara análises de risco para investidores estrangeiros no Brasil. Em 30 de
outubro de 1988, em uma dessas análises de risco, declarou ao jornal “O Estado
de São Paulo” que o Brasil “está caminhando para um golpe de Estado”, pois o
governo Sarney “é fraco, hesitante e indeciso, portanto perigoso para o capital
estrangeiro” - encabeçou os ataques contra os militares. Jactando-se, com
arrogância, de que o desmoronamento de seus salários e do seu prestígio criaram
uma “profunda crise de identidade entre os militares no continente”, assegurou
que “está crescendo a brecha entre gerações novas e velhas” na instituição
militar, e que “a geração mais jovem está imbuída do ponto de vista da
sociedade civil (..) Ao ir-se ajustando as novas democracias ao neoliberalismo,
os militares tendem a uma visão retrospectiva de buscar o nacionalismo e de
regressar à política antiga. Porém, isso mudará, pois a profissão de militar
está a ponto de converter-se em uma profissão como qualquer outra”.
Em 14 de
dezembro de 1992, o boletim do FMI, “IMF Survey”, referiu-se a um Foro
realizado na sede do órgão, em Washington, para discutir o tema de se as
instituições financeiras internacionais “têm responsabilidade e recursos para
pressionar os países (...) a reduzir o nível de seus gastos militares”.
Nesse
Foro, Russel Kincaid, então chefe da Divisão de Facilidades e Emissões
Especiais do FMI, fazendo eco da tese central do discurso de McNamara, em 1991,
argumentou que o objetivo a ser buscado é “a segurança coletiva (...) que
suplante os mecanismos de segurança individual”, acrescentando que alguém ainda
terá que “fazer o papel de gendarme mundial”.
O projeto
anti-militar buscava, sem dúvida, implementar mudanças na Carta da OEA, como já
foi exposto. Foram propostas duas mudanças principais: a primeira, objetivando
estabelecer mecanismos para suspender ou expulsar da OEA qualquer país cujo
governo seja considerado “não-democrático” a segunda, colocar a Junta
Interamericana de Defesa sob a autoridade direta da OEA. Atualmente as
atividades da JID limitam-se às de um corpo consultivo dos representantes dos
Estados-membros. Caso a Carta da OEA venha a ser emendada, a JID poderia ser
transformada em uma força militar supranacional dirigida pela OEA, da mesma
forma que são os capacetes azuis da ONU.
Em 27 de
outubro de 1992, em uma teleconferência sobre o tema “Relações
Cívico-Militares”, organizada pelo Serviço de Informações dos EUA (USIA), o
general John Galvin, ex-comandante do Comando Sul dos EUA, explicou que uma
aliança como a OTAN, neste hemisfério, poderia levar à redução do tamanho das
forças militares: “Poderíamos evitar a necessidade de pensar em uma Força
Aérea, Naval e Exército tão grandes para proteger-nos de países vizinhos”.
Robert
Pastor Jr., assessor para assuntos de América Latina do Conselho de Segurança
Nacional do ex-presidente Jimmy Carter e assessor da equipe de transição do
presidente Bill Clinton, escreveu um artigo na influente revista trimestral
“Foreign Policy”, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional, no outono de
1992, apontando quatro motivos para a criação de uma força militar regional: a
necessidade de “uma força da OEA contra o narcotráfico uma força para
supervisionar as tréguas uma força de paz internacional para restaurar a
democracia e o emprego de “uma pequena força interamericana” para defender o
Canal do Panamá, agora que o Panamá já não tem Forças Armadas. Pastor propôs
ainda que se estabelecesse na região “um centro independente com autoridade
para reunir informação detalhada sobre todas as vendas de armas, dando-se o
prazo de um ano aos governos para planejar reduções de 50% em suas compras de
armas e gastos de defesa, com exceção dos EUA, que tem responsabilidades
globais”. Observou que haveria resistência das lideranças militares, “mas isso
poderia ser contido, porque a melhor forma de incentivá-los na nova ordem
democrática é empregá-los, em forma moderna e legítima, como guardiões da paz
internacional”, ou seja, integrando Forças de Paz da ONU. Segundo Pastor, as
disputas fronteiriças deveriam também ser submetidas a um controle
supranacional, enumerando as disputas territoriais entre El Salvador e
Honduras, Peru e Equador, Bolívia e seus vizinhos do Pacífico, e Venezuela e
Colômbia, entre outras.
Outro
perigoso movimento destinado a fragmentar as nações latino-americanas é o
chamado “Movimento pelos Direitos Indígenas”, grupos que operam em quase todos
os países do continente. Onde não há indígenas nativos, missionários e
antropólogos estrangeiros os constituem ou reconstituem. Esse movimento é
financiado, dirigido e promovido desde o exterior como uma força voltada
explicitamente contra o Estado Nacional. Observe-se que em fevereiro de 1993, o
Diálogo Interamericano constituiu um grupo de trabalho encarregado de “Divisões
Étnicas e a Consolidação da Democracia nas Américas”, com o objetivo expresso
de “estimular o debate entre os povos do hemisfério sobre a relação entre os
governos e os povos indígenas” e se propôs emitir aos governos da região
“recomendações programáticas práticas” sobre a matéria.
Finalmente,
nos dias 24, 25 e 26 de julho de 1995, em Williamsburg, Virgínia, EUA, foi
realizada uma conferência com a presença dos Ministros da Defesa dos países da
América, à exceção de Cuba. A agenda dessa conferência foi a seguinte: transparência
e medidas de confiança mútua cooperação defensiva pós-Guerra Fria Forças
Armadas nas democracias do século XXI.
O jornal
“Gazeta Mercantil” de 25 de julho, comentando a conferência, escreveu que “os
Exércitos das Américas receberão uma lição coletiva e interativa sobre os
direitos humanos na primeira reunião da história dos ministros da Defesa da
região (...) uma disciplina que o Pentágono introduziu recentemente na
controvertida Escola das Américas, em Fort Benning, Geórgia”.
Essas
foram, em resumo, as proposições de personalidades, organizações governamentais
e não-governamentais dos países do chamado Primeiro Mundo, após o fim da Guerra
Fria e do socialismo real, para a estruturação de uma Nova Ordem Mundial que
preencha o vazio deixado pelo fim das preocupações estratégicas de lideranças
de todo o mundo, das contradições Leste-Oeste, e anteponha-se a antigos
problemas que, embora dados como sepultados, ressurgem, como o racismo, o
nacionalismo extremado e a religião como fatores aglutinadores de povos,
redefinindo unilateralmente conceitos de segurança, estabilidade, ordem e
democracia, invadindo áreas da exclusiva competência dos Estados nacionais,
notadamente na América Latina, como o tamanho e a finalidade das Forças
Armadas, definidas pelas constituições de cada Estado Nacional soberano.
Observamos,
então, que a Trilateral e o Diálogo Interamericano buscam os seguintes
objetivos:
- manter
a hegemonia econômica, militar, política e social dos EUA no mundo
- evitar
o desgaste dos chamados países centrais, seja pela concorrência entre si, seja
por intromissão em áreas de influência alheias
- impor
aos países em desenvolvimento e ao chamado Terceiro Mundo um sistema de divisão
de trabalho, onde lhes caiba fornecer produtos agrícolas, matérias-primas e
mão-de-obra de baixo custo
-
garantir o fluxo de matérias-primas e insumos energéticos - especialmente
petróleo - para os países centrais
- agir no
sentido de que, no futuro, as fontes de energia do planeta estejam sobre o
controle exclusivo dos países centrais
- impedir
que os países periféricos consigam dominar o ciclo completo de geração de
energia nuclear, utilizando para isso o argumento da não-proliferação de armas
nucleares
- manter
algumas áreas, ricas em matérias-primas e minerais, sob controle internacional,
para uma futura exploração, em benefício próprio
-
estrangular economicamente os países periféricos que se recusarem a aceitar a
divisão de trabalho estabelecida
-
intervir militarmente nas áreas onde houver o que for considerado uma grave
ameaça aos interesses dos países centrais, rateando entre si os ônus
financeiros dessas atividades.
As Forças
Armadas e os Órgãos de Inteligência dos países-alvo são encarados, como revelam
os dados aqui transcritos, “os maiores inimigos dessas atividades” e, portanto,
devem ser desmantelados, desmoralizados, oprimidos economicamente,
transformados em órgãos policialescos e, se necessário, eliminados. Recordamos
a intensa campanha desenvolvida em passado recente por determinados órgãos da
mídia visando ridicularizar os membros dos Órgãos de Inteligência - “arapongas”
-, minimizar a importância das Forças Armadas e desmantelar a indústria bélica
“numa era em que a ameaça comunista deixou de existir”.
Esta
matéria é concluída com um trecho do livro “A Terceira Onda - A Democracia no
Final do Século XX”, de Samuel Huntington, considerado o ideólogo da Comissão
Trilateral, professor da Universidade de Harvard, especialista em assuntos de
segurança e governo desde 1957:
“Deve-se
reduzir drasticamente o número de tropas sediadas na capital e arredores. Elas
devem ser deslocadas para as fronteiras e outros lugares despovoados e
relativamente remotos.
Deve-se
dar-lhes brinquedos. Isto é, proporcionar-lhes tanques novos e bonitos, aviões,
veículos blindados, artilharia e equipamentos eletrônicos sofisticados. O
equipamento novo os manterá contentes e ocupados, tratando de aprender a
manejá-lo (...). Os militares devem ser advertidos de que só continuarão
recebendo seus brinquedos se tiverem bom comportamento, porque os legisladores
norte-americanos não vêem com bons olhos a intervenção dos militares na
política.
Já que
aos militares lhes encanta o reconhecimento (...) assistir às cerimônias
militares, outorgando-lhes medalhas (...). Alcançar e manter um grau de
organização política capaz de mobilizar apoio nas ruas da capital, em caso de
tentativa de golpe militar.
Se tudo
isso falhar, abolir as Forças Armadas”.
Dados
Bibliográficos:
- “El
Complot para Aniquilar a las Fuerzas Armadas y a las Naciones de Iberoamérica”,
de autoria de Executive Intelligence Review, Washington, 1993
-
noticiário da imprensa nacional e internacional.
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