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“Cubazuela”: Raúl Castro a um passo do seu sonho macabro
Graça Salgueiro
30 de maio de 2017 - 18:21:58
Após 60 dias de manifestações, 61 assassinados, mais de 1.000 feridos e
centenas de presos, a solução para pacificar o país encontrada por
Nicolás Maduro não foi cessar a violência desenfreada, os assassinatos
de gente inocente e desarmada, e a realização de eleições livres e
diretas, mas a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte (ANC).
Mais de 90% da população rechaça essa possibilidade inclusive
chavistas, porque crêem que isso seria uma traição à memória do
“Comandante Chávez” e à própria Constituição que lhes parece “perfeita”.
No dia 1º de maio Maduro fez publicar na Gaceta Oficial, o
Diário Oficial da Venezuela, a criação da ANC utilizando como argumento o
artigo 348 da atual Constituição, que diz o presidente da República
pode ter a iniciativa de “convocar” uma ANC. Entretanto, ele ignorou
propositalmente o artigo anterior que diz que a “decisão” compete
exclusivamente ao povo, através de um referendo que Maduro não vai
realizar. O anúncio foi feito oficialmente pela reitora do Conselho
Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena, informando que 500 pessoas se
inscreverão no site do órgão eleitoral, passando por cima do que reza a
atual Constituição.
A Procuradora Geral Luisa Ortega Díaz, chavista de primeira hora, foi a primeira a se opor publicamente. Diz ela: “Este
é o mecanismo de democracia direta mediante o qual os cidadãos exercem o
direito ao sufrágio para decidir acerca de seu acordo ou desacordo com a
referida Assembléia, ou a aprovação ou desaprovação de uma nova
constituição. Do contrário, seria uma Constituinte espúria”. A ela
junta-se o magistrado da Sala de Cassação Penal do Tribunal Supremo de
Justiça, Danilo Mojica, que rechaça que os constituintes não sejam
eleitos de forma direta, universal e secreta, e sim, como quer Maduro,
de maneira setorial e corporativa.
Luisa Ortega tem sido a pedra no sapato de Maduro, mas esse não é o
único incômodo que ela tem causado. Ortega tem sido muito incisiva e
dura nas denúncias contra o desrespeito aos direitos humanos, acusando
diretamente a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) pelos assassinatos e
violência cometida contra os manifestantes. Em um pronunciamento
televisado, Luisa Ortega disse que vai abrir processo contra quem
cometeu e está cometendo esses crimes e isso está causando grande
alvoroço nos quartéis. Agora os militares já não ficam de cochichos ou
troca de mensagens privadas. De tenentes a capitães, alegam que não
podem continuar violando a Constituição, que um dia essa situação vai
acabar, que pode mudar o governo mas os crimes deles estão sendo
anotados e que poderão acabar com longas condenações.
Em pronunciamento em rede de televisão, o ministro da Defesa, general
Padrino López, diz que nenhum militar cometeu qualquer crime.
Entretanto, em privado continua dando ordens para continuar a atacar e
reprimir de forma violenta. Em um vídeo que vazou pelas redes sociais
[1] ouve-se a ordem de convocar franco-atiradores para fazer o trabalho
sujo, de modo que a GNB não possa ser vista ou responsabilizada pelos
crimes cometidos. A maioria dos assassinatos deu-se por tiro na cabeça
ou por disparo de bombas de gás lacrimogêneo diretamente no tórax das
vítimas. Mas quem dispõe de armas, precisão nos disparos e bombas de gás
lacrimogêneo senão os agentes do governo?
O povo continua nas ruas resistindo bravamente apesar das inúmeras
perdas de inocentes e, ao contrário do que imagina o regime ditatorial, a
cada pessoa assassinada mais gente vai às ruas prometendo só parar
quando Maduro for deposto e preso.
E não é só o povo que está lutando pela derrubada de Maduro. Quando o
juiz Baltazar Garzón sentenciou o presidente Augusto Pinochet a prisão
apoiado no princípio da “jurisdição universal”, ele abriu um precedente
para que qualquer autoridade judicial de qualquer país possa adotar o
mesmo princípio para os delitos de lesa-humanidade. Em abril de 2014,
198 legisladores de oito países latino-americanos denunciaram Maduro no
Tribunal Penal Internacional (TPI) pela repressão massiva ocorrida
naquele ano. Em setembro de 2015 o então Procurador-Geral da República
da Colômbia, Alejandro Ordóñez, também o denunciou pelo crime de
lesa-humanidade pela deportação massiva e desumana de colombianos que
viviam na Venezuela.
Há ainda 19 acusações contra o Estado venezuelano pelo Grupo de
Trabalho sobre Detenções Arbitrárias da ONU, que citam ao redor de 30
casos de privação ilegítima de liberdade como padrão sistemático de
perseguição política.
Se o TPI agir logo e com rigor, Raúl Castro pode morrer como seu irmão Fidel, sem ver esse sonho realizado. Oxalá assim seja.
Nota:
[1] http://www.elnuevoherald.com/
Graça Salgueiro, escritora e jornalista, é autora do livro ‘O Foro de São Paulo – A Mais Perigosa Organização Revolucionária da América Latina‘, e apresenta o programa Observatório Latino, na Rádio Vox.
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